terça-feira, 13 de setembro de 2011

No âmago do GÉNIO: Memorial do Convento de José Saramago

No próximo ano completar-se-ão 30 anos sobre a primeira publicação do “Memorial do Convento”, de José Saramago.
Acho que, à distância de 3 décadas, ainda não nos apercebemos bem da importância verdadeiramente radical que esta obra teve na literatura portuguesa. Sinceramente (e atrevo-me a dizer que Saramago concordaria comigo), o que menos interessa é que tenha sido premiada com o Nobel. O que é realmente importante dizer-se é que esse livro marca um ponto de viragem absoluto na história da literatura portuguesa.
Se exceptuarmos alguns casos, como por exemplo, “Memória de Elefante”, de Lobo Antunes (1979) ou “Manhã Submersa” de Vergílio Ferreira (1959) a nossa literatura da segunda metade do século XX navegava nas águas mornas de um neo-realismo que, embora de grande valor literário, ameaçava cair num significativo letargo.
“Memorial do Convento” foi uma pedrada no charco cujos efeitos ainda hoje sentimos. Mas afinal de contas, o que trouxe de realmente inovador?
Muitíssimo haveria a dizer sobre isso e não é aqui que o vou fazer. Apenas gostava de chamar a atenção para estes tópicos: o testemunho da prevalência de uma mentalidade “medievalesca” nos alvores dos tempos modernos portugueses; a genialidade da abordagem do bem e do mal nas personagens, por vezes ambivalentes; a simbologia da passarola/sonho, do sol/vida, das vontades como combustível para que a máquina voe e do transporte da pedra como símbolo do verdadeiro heroísmo do trabalho operário.
Mas isto são apenas fragmentos de um mundo inteiro de razões para ler o livro.

sábado, 10 de setembro de 2011

Carlos de Oliveira, Uma Abelha na Chuva

Esta obra de Carlos de Oliveira é uma das mais importantes da Literatura Portuguesa do século XX. Infelizmente a sua divulgação não corresponde à sua importância. Talvez os motivos ideológicos ajudem a explicar este fenómeno.
A verdade é que “Uma Abelha na Chuva” é talvez o mais importante testemunho do neo-realismo português. Esta corrente literária, onde pontificaram Alves Redol e Soeiro Pereira Gomes (para citar só os mais conhecidos) teve uma importância fundamental na literatura portuguesa contemporânea, nomeadamente em escritores marcantes como José Saramago e Vergílio Ferreira. Se atentarmos aos primeiros sucessos literários destes autores (“Levantado do Chão” e “Vagão J”, respectivamente, o que aí encontramos é o mesmo neo-realismo de Carlos de Oliveira.
É apenas um lugar-comum relacionar-se o Neo-realismo com as condições políticas e sócio-económicas da ditadura salazarista. Mas é muito mais que isso, como o comprova este livro.
A alienação das personagens, a miséria física e espiritual, a revolta latente, não são emoções derivadas apenas do contexto; são partes integrantes da alma humana, qualquer que seja o seu contexto. A relação conjugal de Álvaro Silvestre e Maria dos Prazeres, por exemplo, é uma espécie de terreno de batalha onde se confrontam as paixões humanas no seu todo e não as circunstâncias de um tempo definido.
Por outro lado, todo o simbolismo que a obra envolve fazem dela um testemunho artístico intemporal: a abelha como o elemento desintegrado do enxame social; a chuva como símbolo da agressividade; e os nomes – Silvestre, agreste, inculto, selvagem e Marias dos Prazeres, no entanto apenas os prazeres que advém da mente…

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Emily Brontë, O Monte dos Vendavais

O Monte dos Vendavais é um livro com uma força avassaladora. É um livro capaz de despertar em quem lê as emoções mais profundas. O ódio e o amor andam aqui de mãos dados.
As personagens principais têm um carácter vincado que parece emanar das profundezas da terra. Nota-se que é um livro escrito com sentimento, com uma força profunda.
É um livro que não deixa ninguém indiferente. Por vezes a leitura é difícil, tão grande é a necessidade que a autora revela de caminhar até ao mais profundo das almas. Bronte imaginou estas personagens mas deu-lhe uma vida tão avassaladora que as acompanha com paixão; nota-se que a autora vive as personagens. Raramente um livro consegue a profundidade de análise da alma humana como este consegue.
Aparentemente, a autora despreza a "normalidade"; quase todos os personagens têm características muito próprias que as afastam do comum dos mortais. O que é interessante é que por mais "estranhos" que sejam as personagens e os seus comportamentos, a arte de Bronte leva a que o leitor os considere perfeitamente verossímeis.
Não há dúvida que estamos perante uma obra genial. Talvez um dos melhores livros que li até hoje.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Ler é sonhar

Ler é sonhar. De olhos bem abertos, entramos em mundos ignorados, antes inimagináveis.
Longe da escola, dos horários, testes e repreensões, perante um livro somos livres. Somos livres para amar as letras, as frases, linhas e páginas que nos levam cada vez para mais longe, para lá dos dias e minutos que nos envolvem nesta trama de preocupações a que chamamos vida.
O mundo dos livros é um mundo outro, um mondo sonhado e vivido entre linhas. Por isso ler é liberdade e sonho. Os livros são o mundo encantado que o nosso pensamento dirige. As letras que outros escreveram são apenas o princípio da nossa viagem maravilhosa que nos afasta desta opressão, deste mundo mesquinho onde se fala de crises, ódios e guerras. Como uma criança brincando, quem lê tem uma vida alternativa, uma vida feita à medida do seu sonho.
Cada livro é um mundo. Mas somos nós que o fazemos, não o seu autor. Para nós, que lemos, os personagens podem ser quem nós quisermos. Nós próprios podemos ser o personagem que quisermos; podemos encantar-nos com as aventuras de James Bond ou de D. Quixote. Podemos sonhar como os personagens de Paulo Coelho. Podemos ir à Lua com Júlio Verne. Podemos ser nós. Podemos ser livres!

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A propósito de Lolita, de Nabokov


Não vou aqui negar (quem sou eu para isso?!) a genialidade de Nabokov. Nem sequer ponho em causa as intenções do escritor russo. Mas o certo é que escrever sobre os limites da sanidade mental do ser humano, é rentável. Exemplos como este repetem-se ao longo de toda a história da literatura e das artes. Um grande romance dificilmente se pode basear na vida de um homem comum. Há que procurar o “anormal”, no sentido mais ingénuo do termo.
Embora esta procura do anormal possa ser considerada de forma ingénua, a verdade é que ela muitas vezes cria um verdadeiro desassossego no espírito do leitor que, na minha opinião, transporta uma carga mais negativa que positiva.
Neste caso, trata-se do amor por uma criança (ou adolescente). Até que ponto este livro este caso de amor é ou não criminoso? Não estou a dizer que seja, mas atinge os limites de tal epíteto. E nesse sentido, não posso deixar de o considerar, em boa consciência, um livro perigoso. Longe de mim desincentivar a sua leitura ou sugerir qualquer forma de censura, mas considero que a sua leitura deveria ser acautelada por uma informação que incentivasse o leitor a exercer, o mais possível, o espírito crítico.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O belo e o horrível em "O Perfume" de Patrick Süskind


Um dos aspectos mais marcantes de um bom livro é a caracterização dos personagens. E, na minha opinião, uma obra de génio tem de envolver, quase obrigatoriamente, um personagem muito forte.
Li há muitos anos “O Perfume”, de Patrick Süskind e não conseguirei, mesmo que quira, esquecer esse personagem inesquecível que é Jean-Baptiste Grenouille. Trata-se de um homem estranho, que não possui cheiro próprio embora tenha um olfacto anormalmente apurado. Tudo se passa como se ele absorvesse todos os cheiros do mundo. Esta característica, aparentemente inútil transforma-o no mais genial fabricante de Perfumes.
A partir daqui Süskind constrói uma história maravilhosa, baseada nos perfumes e maus cheiros de Paris. Este contraste estende-se depois a todos os outros contrastes do meio parisiense do século XVII – o amor e a violência, a luxúria e o ódio, a beleza e o terror.
Grenouille é o herói e o anti-herói, o vilão que se apaixona para depois matar a amada.
E vinte e seis serão as suas vítimas, todas elas assassinadas na procura da essência perfeita.
Uma obra medonha, uma obra de génio!

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O tom negro dos escritores portugueses

António Lobo Antunes, Valter Hugo Mãe, José Luís Peixoto e João Tordo são, na minha opinião, quatro dos melhores escritores portugueses da actualidade. E penso não ser o único a pensar assim. 
Há, a meu ver, algo que os une, para além dos magníficos dotes literários: é a tendência para a abordagem de temas sinistros, numa autêntica escrita a negro que se evidencia, por exemplo, em Uma Casa na Escuridão, de JLP, Ontem não te Vi em Babilónia de ALA, O Livro dos Homens sem Luz de JT e O Remorso de Baltasar Serapião de VHM.
Porquê esta tendência para o sinistro, para o pessimismo, na actual literatura portuguesa? Terá isto a ver com o carácter do povo português? Eu penso que sim. Um escritor é sempre um reflexo da contexto socio-cultural em que vive. Vivemos tempos difíceis no nosso país mas não é só a famigerada crise que nos faz assim negros e pessimistas; é algo no nosso carácter que nos faz ver a vida sob a cor escura das nossas lentes.
Veja-se, por comparação, o optimismo da literatura brasileira; a leveza de um Jorge Amado, o encanto de um Erico Veríssimo ou a fantasia de um Machado de Assis; comparem-se também os nossos lúgubres mestres com a literatura africana de expressão portuguesa; com a leveza e graça de Ondjaki, com a fantasia e criatividade de Mia Couto ou com a imaginação de Agualusa. Em Angola ou Moçambique não se vivem dias melhores que em Portugal; no entanto, nós cultivamos o saudosismo, a melancolia, a tristeza.
Note-se que não quero com isto desvalorizar os escritores portugueses em causa. por pregarem a tristeza não deixam de ser génios. Grandes génios, aliás, de que nos podemos orgulhar.